quinta-feira, 20 de maio de 2010

Um herói em decadência> Autor: Damião Metamorfose.


*
Andando pelo sertão,
Certa vez me deparei.
Com uma cena muito triste,
Covarde e fora da lei.
Que me deixou comovido,
Pois vi um herói caído,
Não resisti e parei...
*
Parei e me aproximei,
A cena me comoveu.
Perguntei qual o porquê,
Como tudo aconteceu?
E ele sem poder falar,
Fitou em mim seu olhar
E com o olhar respondeu.
*
A minha família e eu,
Fomos heróis do sertão.
Por mais de quinhentos anos,
Mas com a modernização.
Veio à era dos motores,
Perdemos nossos valores,
Pra nós sobrou à exclusão.
*
Antes eu tinha um patrão,
Trabalhava no pesado.
Muitas vezes reclamava,
Sentindo-me escravizado.
Mas meu nome tinha zelo,
Não era esse pesadelo,
Que hoje eu tenho passado.
*
Por todos sou desprezado,
Meu nome virou piada.
Não tenho mais endereço,
Moro em beira de estrada.
Antes eu pastava em roça
E mesmo puxando carroça,
Tinha a prole bem cuidada.
*
Aqui, uns me dão pedrada,
Canto de carroceria.
Tenho que pastar a noite,
Não posso dormir ao dia.
Com o barulho dos motores,
Meus dias são de horrores,
As noites de agonia.
*
Quando a noite está mais fria,
Deito na margem do asfalto.
Tento dormir, mas acordo,
Tomado de sobressalto.
Com o perigo me rondando,
Carro ou moto atropelando,
Com buzina e farol alto.
*
Foi tomada de assalto,
A nossa dignidade.
Eu não tenho mais valor,
Também por ser de idade.
Fecharam cancela e porta
E a minha esposa foi morta,
Com requintes de maldade.
*
Pra que serve a liberdade,
Sem eu não posso nem viver?
Meu dono é tão ingrato,
Que nunca veio me ver.
Logo eu que ajudei tanto,
Vivo sem dono e sem canto
Para pernoitar ou morrer.
*
Já não posso mais correr,
Porque fui atropelado.
Um homem com sua máquina,
Deixou-me encandeando.
Pensei que era o meu fim
E hoje eu ando assim,
Troncho, manco e alienado.
*
Por ser assim, aleijado,
Se eu tentar atravessar,
Pro outro lado do asfalto,
Podem me atropelar.
Às vezes nas madrugadas,
Arrisco algumas passadas,
Se eu vou, não posso voltar.
*
Não posso mais trabalhar,
Se me tratassem, eu podia.
Bastava que alguém me desse,
Capim verde e água fria.
Mas como não tenho dono,
Pereço no abandono,
Definhando a cada dia.
*
Com semblante de agonia,
O herói ainda contou.
Da saudade que sentia,
De quem lhe abandonou.
Do trabalho e do roçado,
De quando foi “batizado”
E do primeiro que o montou.
*
Depois deitou, suspirou,
Fechou os olhos, dormiu.
Aproximei-me e toquei-o,
Mas ele não reagiu.
E eu de coração partido,
Vi que tinha falecido
Quem tanto a pátria serviu.
*
Morreu e o dono não viu,
O quanto o herói sofreu.
Por falta de compaixão,
Agiu pior que um ateu.
Portanto fique ciente,
Que esse herói decadente,
Pode ser você ou eu.
*
D-e um jumento falo eu,
A- ele eu rendo oferenda.
M-as podia ser você,
I-mplorando uma fazenda.
A-bandonado e com fome,
O- que não for jegue, entenda.
*
Fim
*
20/05/2010