*
Fui rever a velha casa,
Que morei quando criança.
Encontra-la em bom estado,
Era a minha esperança.
Encontrei-a demolida,
Mas consegui vê-la erguida,
Com os flashes da lembrança.
*
Vi os tempos de bonança,
Com a família reunida.
O minuto de oração,
Agradecendo a comida...
No jantar ceia e almoço.
E o meu pai ainda moço,
Me dando lições de vida.
*
Vi minha roupa cingida,
Que virou pano de chão.
As panelas fumegando,
Nas trempes de um fogão.
E um menino com fome,
Perguntei qual o seu nome?
E ele disse: é Damião.
*
Senti o meu coração,
Acelerar nessa hora.
Dei a volta andei uns passos,
Já pensando em ir embora.
Quando ouvi ele gritar,
Dizendo... Vamos brincar,
Venha! mamãe não demora.
*
Dizem que homem não chora,
Também pensei ser verdade.
Mas ao me ver tão pequeno,
Em plena flor da idade.
As torneiras do meu peito,
Acho que deram defeito,
E eu chorei de saudade.
*
Quando passou a vontade,
Ou todo o pranto verteu.
O menino trouxe um copo
De água de pote e me deu.
Sem mais nada pra chorar,
Fomos pro oitão brincar,
Com um brinquedo que foi meu.
*
E ele nem notou que eu,
Era ele no futuro.
Mas deu para perceber,
Que se sentia seguro.
Enquanto a gente brincava,
Vez ou outra eu invejava,
O meu eu quando era puro.
*
Corríamos pelo monturo,
Do jeito de antigamente.
Enquanto a gente corria,
O filme da minha mente.
Novas imagens mostravam,
E nelas se confrontavam,
O meu passado e presente.
*
Abri a porta da frente,
e pela mesma adentrei.
Liguei o radio de pilhas,
Armei a rede e deitei.
Meti o pé na parede
E no embalo da rede,
Adormeci e sonhei.
*
Sonhei que eu viajei,
E retornei ao meu lar.
Mas no melhor do meu sonho,
Eu ouvia alguém chamar.
Mesmo em sono tão profundo,
Ouvi dizer: vagabundo!
Isso é hora de acordar?
*
Acordei a bocejar,
Vi meu pai meio zangado.
Me dizendo: isso são horas
De você está deitado?
Peguei a minha sacola,
Sai correndo pra escola,
Pra não chegar atrasado.
Vi meus irmãos no roçado,
Minha mãe lá no terreiro.
Dando milho pras galinhas,
E um porco no chiqueiro.
E a fumaça do fogão,
Que enchia o meu pulmão,
Com aquele novo cheiro.
*
Vi o pé de juazeiro,
Alto copado e florido.
Cheio de abelhas nas flores,
De longe ouvi o zumbido.
E eu que o vi nascer,
Sai pra tentar crescer,
Mas ele é quem tá crescido.
*
Vi um angico caído,
Seu tronco e galhos no chão.
Antes cheio de resinas,
Que era a alimentação.
De um sagui que eu criava,
Hoje por terra ele estava,
Vitima da ingratidão.
*
Passei onde era o porão,
Do açude em que eu plantava...
A vazante de batatas,
Tomava banho e pescava.
Com o tempo e a erosão,
A chuva abriu a vazão,
Nem a parede restava.
*
O roçado onde eu plantava,
Feijão milho e algodão.
Não encontrei nem as marcas,
Da minha enxada no chão.
A mata estava crescida,
Desfolhada e ressequida,
Com a seca do sertão.
*
Na minha imaginação,
Eu fui até a escola.
Também passei pelo campo,
Aonde eu jogava bola.
Vi-me também em setenta,
Montado numa jumenta,
Com meus pais pedindo esmola.
*
Vi eu já um rapazola,
Com doze anos de idade.
Trabalhando alugado,
Passando necessidade.
Mesmo nessa fase ruim,
A vida dava pra mim,
Mais paz e felicidade.
*
Vi quando eu fui à cidade,
Lembrei a hora e o dia.
Naquele tempo os meus pais,
Serviam de companhia.
Porque se eu fosse só,
Os outros não tinham dó,
Xingava a gente ou batia.
*
É do sitio, alguém dizia,
Corre e pegue o beradeiro.
Uma vez dois me pegaram,
De um jeito traiçoeiro.
Eu que sempre fui molenga,
Apanhei feito uma quenga
E mim mijei por inteiro.
*
Vi meu velho companheiro,
O meu cachorro feroz.
Com quem brincava e caçava,
Sem ter tempo ruim pra nós.
-Mesmo tanto tempo ausente,
Recebeu-me tão contente
Reconheceu minha voz.
*
O tempo foi muito algoz,
Com as coisas que deixei.
Ou o culpado sou eu,
Só porque me ausentei?
Se for dele ou minha a culpa,
Pelos dois peço desculpa,
Eu fui porque precisei.
*
Das coisas que eu sonhei,
Planejei ou só fiz plano.
Não estava incluído,
Ficar fora mais de um ano.
Mas o tempo foi passando
E eu fui me adaptando,
Em viver igual cigano.
*
Desilusões, desengano,
Tudo isso eu enfrentei.
Hoje eu agradeço a Deus,
Pois tudo eu já superei.
Fui ausente eu reconheço,
Mais uma vez esclareço,
Só fui porque precisei.
*
Feliz ou triste eu voltei,
Tem sorte aquele que volta.
Sem traumas que atrapalham,
Geram rancor e revolta.
Com ou sem as cicatrizes,
Mas ao rever as raízes,
O mundo dar viravolta.
*
O peito dilata e solta,
Muita lagrima de saudade.
Recordando os velhos tempos,
De paz e felicidade.
-Mesmo sendo uma viagem,
Consegue ver a imagem,
Do que não é nem metade.
*
Para dizer a verdade,
Essa historia eu inventei.
No dia que fui rever,
A casa onde eu morei.
Só vi marcas no lugar,
Mas quando eu citei: chorar,
Isso é verdade, eu chorei.
*
Das historias que contei
A mais triste é essa aqui.
Mesmo triste ele é,
Importante e não menti.
Apenas eu aumentei
O que vivi ou senti.
*
Meu passado foi de fome,
Escapei até da morte.
Todavia eu tenho sorte,
Até usei codinome.
Mas sempre honrei meu nome,
O meu eu é quase assim.
Ruim ou bom, bom ou ruim,
Foi o que pude fazer.
O leitor pode dizer,
Se valeu a pena ler
Esse pouquinho de mim.
*
Fim
*
16/10/2009