sexta-feira, 13 de abril de 2012

A primeira viagem * Damião Metamorfose.



*
Quando pus o pé na estrada,
Cheio de sonho e ilusão...
Deparei-me com um mundo,
Hostil e sem coração.
Tratei dele com respeito
E voltei do mesmo jeito,
Com o sotaque do Sertão!
*
A panela de pressão,
Era algo novo pra mim.
O fogão a gás também,
Metrô, trânsito, enfim.
Com prédios pra todo o lado,
Placas dizendo: cuidado!
Eu pensei, vai ser meu fim...
*
Levei uma calça de brim,
Terilene e tropical.
Três calças, cinco camisas
E um tênis Montreal.
São Paulo a terra dos sonhos
E desenganos medonhos
Longe da terra natal!
*
Eu que sou do matagal
E quase não ia à Vila.
Em meio aos arranhas céus,
Longe da vida tranquila.
Vivendo em outro Estado,
Barulho e transito agitado
Meu Deus do céu, quanta fila!
*
Feito um Sansão sem Dalila,
Eu vivia enclausurado.
Trabalhando sem ter folgas
De domingo ou feriado.
Quanto mais eu trabalhava
Mas o cinto eu apertava
Pra voltar pro meu Estado!
*
Pra quem nasceu no roçado
E no roçado cresceu.
Morar na cidade grande
Era um sonho, porém eu.
Fui só porque era o jeito,
Pra mim o lugar perfeito
Era o velho Sertão meu!
*
Vivendo no apogeu,
Do auge da juventude.
Transformei-o em trabalho,
Força, ação e atitude...
Mas o tempo foi passando,
Eu fui me contaminando
E estragando a saúde!
*
Enchi a taça amiúde
Que eu não devia beber.
Fiz de um sonho o meu mundo
Pra tentar me convencer
Que o sonho e realidade...
Ali naquela cidade
Facilitava o viver!
*
Tirei do meu padecer
Algumas lições de vida.
Pra evitar ser mais um
Dormindo na Avenida...
Ou um reles viciado
Em tudo o que era pecado,
Candidato a suicida...
*
O que eu ganhei na lida
Foi mais do que eu pretendia.
E hoje eu sei com detalhes
De coisas que eu não sabia.
Que mesmo eu recebendo
Mais do que estou merecendo,
Bem mais caro eu pagaria!
*
Nunca tive galhardia
Nem ligava pra aperreio.
As armadilhas da vida
Quase me lascaram ao meio.
Porém não roubei ninguém
E nunca matei também,
Mas pecar? Eu pequei feio!
*
Eu comi sem ter receio
De ter uma indigestão.
Comida quase estragada,
Por ser tanta a precisão.
E Deus foi tão cordial
Comigo, que não fez mal,
Deu foi mais disposição!
*
Certa vez lá na são João
Debaixo do viaduto
Vinha uma viatura
E eu feito um bicho bruto
Corri pro lado oponente
“Bati” com ela de frente...
Quase meus pais botam luto!
*
Lutei pra colher o fruto
E hoje graças a Deus
Posso dizer sem enganos
Que colhi os frutos meus
Tenho um lar esposa e filhos
Que amenizam os empecilhos
Só com os carinhos seus...
*
Via teatros, museus...
Só pelo lado de fora.
Os bares ali do centro,
Puteiros da Rua Aurora...
Por não ter com que pagar,
Via e não podia entrar,
O jeito era ir embora!
*
Onde o filho sem mãe chora
Eu trabalhei sem cessar.
Enquanto muitos brincavam
Eu pensava em trabalhar.
Para juntar um trocado
E sair do alugado,
Ter um canto pra morar!
*
Em vez de eu blasfemar
Com a situação ralé.
Eu trabalha e guardava
Um pouco, sabe como é.
Ganhando um pouquinho a mais,
Eu ajudava aos meus pais
Vencer, era a minha fé!
*
Eu ia pra casa a pé
Passando na Rua Augusta...
Que era cheia de travecos
E mulher “pague o que custa”
Nu, seminua e despida
E eu descendo a Avenida
Com medo... De saia justa!
*
Morando em lugar que assusta,
Subsolo da pensão.
Convivendo com baratas,
Ratos e alagação...
Sempre cheio de otimismo
Ignorava o abismo
E ria da precisão...
*
Andar por baixo do chão
De Jabaquara a Santana.
Com baldeação na Sé
Pra economizar a grana.
Eu fiz por mais de uma vez,
Acho que foi todo mês
Ou talvez toda semana!
*
Feito um matuto bacana
Eu fiquei quando cheguei
Na cidade de são Paulo
Mas logo me adaptei
Com barulho e poluição,
Transito louco e ladrão
E outras coisas que enfrentei!
*
Em são Paulo eu enfrentei
Falsidade e hipocrisia...
Mas jovem suporta tudo
E todo o peso do dia...
Até o tal preconceito,
Com pessoas do meu jeito
Eu fingia que nem via!
*
São Paulo que me adotou
Também foi hostil comigo.
Pois apanhei de skinheads
Tratado com um inimigo.
Paguei sem saber o preço...
Tem coisas que eu esqueço
Mas dessa ai, não consigo!
*
A policia em um só dia
Corrigiu-me cinco vezes.
Uns já chegavam sorrindo
Dizendo: somos fregueses.
O que queriam? Maconha...
E eu dizia: sem vergonha,
Vai valer por quantos meses?
*
Passava a pé pela Sé,
Depois descia a ladeira.
Ia pro parque Dão Pedro,
Já escondia a carteira...
Pegava um ônibus lotado,
Raramente ia sentado,
Pense numa quebradeira!
*
Passava numa peneira
Quase todo santo dia.
Pagar conta, entrar na fila,
Sempre aquela correria.
Mas por ser jovem e robusto,
Pagava a qualquer custo
Por segundos de alegria...
*
Minha assim seguia
Sem motivos pra parar.
Mais amigos que inimigos,
Mais garboso que vulgar.
Mais sonhos do que conquista,
Paixões a perder de vista
E a vontade de voltar!
*
São Paulo me viu chorar,
Por dor, tristeza e paixão...
Foi o meu primeiro sonho
E a grande desilusão.
Mas pra falar a verdade,
Eu amo aquela cidade...
Porém prefiro o Sertão!
*
Foi com bagagem de mão
Que eu decidi viajar.
Até porque eu pensei
Que não ia demorar.    
Mas contrariei meus planos
Por lá fiquei cinco anos
E vim só pra passear!
*
Não soube o que foi brincar,
Só conta e muito trabalho.
Isso nos primeiros anos,
Pra guardar algum cascalho.
Depois me soltei na vida,
Com mulher, farra e bebida...
Vacilou, sentava o “malho”!
*
Ser carta em outro baralho
Para mim foi complicado.
Trocar um sonho por outro
Sem tê-lo realizado
Foi ruim, mas ruim foi mais
Ficar longe dos meus pais
E ir morar noutro Estado.
*
Pensei que ia ser lembrado
Mas foi só eu me mudar.
Que os amigos se esqueceram
De escrever, telefonar...
O tempo foi se passando
A lembrança se acabando
E hoje eu resolvi lembrar!
*
São Paulo onde eu fui morar
Roubou-me a paz e o sossego.
No corre-corre diário
De casa para o emprego.
Emprego eu se perdia
Por causa da cobardia
De um puxa saco ou pelego!
*
Tive amigos de apego
Nos lugares que passei.
Porém sei que não existem
Mais marcas onde eu pisei.
Hoje se lá eu voltar
Pouco de mim vão lembrar,
Talvez um ou mais, não sei!
*
Hoje bem cedo eu lembrei
Da Sampa de antigamente.
Que pouco ou nada restou
Daquela gente descente.
No seu lugar foi surgindo,
Banditismo e destruindo
O romantismo inocente!
*
Fim