quinta-feira, 24 de março de 2011

Estou de volta ao passado * Autor: Damião Metamorfose.


*

Tem nordestino que encobre,
Seu passado na terrinha.
Eu conto com muito orgulho,
O que eu tinha ou não tinha.
E até sinto saudades,
Daquela humilde vidinha!

*

Futuro? Eu nem sei se eu tinha,
porque eu vivia o presente.
Tomando banho de açude
Bebendo água fria ou quente.
E só me preocupava
Com minha vida somente.

*

Fui visitar minha gente
E o lugar onde eu morava.
Só vi um monte de barro,
No lugar que a casa estava.
Cortaram até as árvores
Que eu subia e brincava...

*

Em minha mente passava,
Como se fosse uma tela.
Um filme da minha infância,

Que foi a fase mais bela.

Morando naquela casa,

Com minha vida singela.

*

Caminhei por cima dela,
Fui ao canto onde eu dormia.
Parei para contemplar
E senti a nostalgia
Dizendo: seja bem vindo
A quem já foi casa um dia!

*

No coração a sangria

Como se fosse uma faca

Enfiada no meu peito,

Deixando a matéria fraca.

As pernas ficando bambas,

A visão ficando opaca.

*

Vi um ninho de casaca
Encima do juazeiro.
Andei onde no meu tempo,
Era o curral e o chiqueiro.
Procurei, mas na achei
O canto que era o poleiro.

*

Ainda senti o cheiro
Da fumaça do fogão.
E das flores que nasciam
Nas biqueiras do oitão.
O tempo destruiu tudo,
Só tinha uns pés de pinhão...

*

Na minha imaginação,
Escutei mamãe falar.
Damião tome o seu banho...
Que é hora de almoçar.
E o dos que foram pra roça,
É você quem vai levar!

*

Fiquei num canto a olhar,
Mastiguei o meu presente.
Olhei para o meu passado
E o futuro em minha frente.
Dizendo: zele as raízes,
Elas que te fazem gente!

*

Também veio em minha mente,

O que mamãe disse um dia.
Que eu podia ter o mundo,
Dinheiro em alta quantia...
que não pagava a saudade
Da casinha que eu vivia!

*

Sentei na parte mais fria
Da sombra da cajarana.
Bem onde era a moenda
De um moedor de cana.
E a cerca que eu pulava
Coberta de getirana...

*

Ali eu vivi sem grana,

Sem inveja e ambição,

Andando quase desnudo,

Correndo de pé no chão.

Sem a maldade em meu peito,

Sem sonho e sem ilusão...

*

O velho pé de pinhão
Que eu vi ao ser plantado.
Resistiu secas e invernos,
Depois de abandonado,
Morreu deixando as sementes
e hoje está multiplicado.

*

Hoje um mourão foi fincado
No canto que era a sala.
No local que era o paiol,
Só tem entulho na vala.
E eu não encontrei o canto
Que eu guardava a minha mala.

*

Eu quase perdi a fala,
Pois também não encontrei

O torno que eu armava

A rede que me deitei.

O tempo destruiu tudo

Ou fui eu que demorei?

*

A casa que me criei
Sucumbiu no abandono.
Telhas quebradas com lodo
Pretas da cor de um carbono.
Esse é o retrato falado
Do lugar que não tem dono.

*

Ali eu fui rei sem trono
E brincava o dia inteiro.
Com meu cavalo de pau
Correndo pelo terreiro.
Ou subindo em arvoredos
inté mesmo em juazeiro!

*

Não vi mais nem o barreiro,
Só barro e cacos de telhas.
Perguntei: qual o motivo?
Já franzindo as sobrancelhas.
Disseram que era por que,
Moravam cobras e abelhas!

*

Pastavam vacas e ovelhas,

Onde foi a minha lida.
Não aceito explicações,
Por ela ser demolida.
Porque ela é uma página
Do livro da minha vida.

*

Fiquei de testa franzida,
Lembrando da criançada.
Que vinham brincar comigo,
Balançando na latada.
Nem a latada escapou...
No seu lugar não tem nada!

*

Essa lembrança malvada

Invadiu a minha mente.

Meu passado foi difícil,

Bem mais que o meu presente.

Mesmo assim sinto saudade

Daquela vida inocente!

*

Tenho que seguir em frente

Com o peito magoado.

E com as imagens que vi

No lugar que fui criado.

Escrevi esse Cordel,

Estou de volta ao passado.

*

Fim.