quinta-feira, 28 de outubro de 2010
Os degraus da velhice ou desabafo de um idoso* Autor: Damião Metamorfose.
*
Na janela do passado,
Vejo a minha meninice.
Hoje no clube dos “enta”
Cabelo branco e calvíce.
Vejo o meu filme passando
E vou me adaptando
Com os degraus da velhice.
*
Perdi aquela meiguice,
Que eu tinha na mocidade.
Ganhei mais experiência
Com o passar da idade.
Mas pra que sabedoria
Se eu deito com a nostalgia
E acordo com a saudade?
*
Essa saudade me invade,
Por isso a ponho em meu canto.
Para mostrar para o mundo
Que não é falso o meu pranto.
A saudade que me inspira,
Vou dedilhando na lira,
Quando me deito ou levanto.
*
Pra muitos causa espanto,
Quando me vêem a cantar.
Porem o meu canto evita,
Ficar triste e até chorar.
Cantando o tempo quimera,
Parece até que acelera
E eu nem o vejo passar.
*
Sinto a idade pesar
Na coluna cervical.
Meus passos ficando lentos,
Ao andar me sinto mal.
A velhice é tão cruel,
Que transforma o mel em fel
E proíbe açúcar e sal.
*
Eu que já fui temporal,
Forte igual uma muralha.
Hoje vivo matutando
E a memória às vezes falha.
Meu corpo está tão doido,
Que o sintoma é parecido,
Com quem carregou cangalha.
*
O meu cigarro de palha
Já não posso mais pitar.
Uma doze de cachaça
Faz mal até se eu pensar.
O meu comer é regrado,
Meu sono é atormentado,
Do deitar ao levantar.
*
Às vezes tento lembrar,
O que, quando, como, onde?
Porém tudo é tão distante,
Porque o perto se esconde.
Quando pergunto a quem passa,
Viro motivo de graça,
Mau gosto pra quem responde.
*
Nasci na era do bonde,
Cavalo, burro e jumento.
Hoje o mundo é moderno
E eu, continuo lento.
Se busco a compreensão,
Encontro a ingratidão,
Que aumenta o meu sofrimento.
*
Chamam-me de agourento,
Que eu só sei reclamar.
Sem parentes ou vizinhos...
Alguém pra desabafar.
Não encontro um ombro amigo,
Viver assim é um castigo,
Só Deus pode me ajudar.
*
Tenho direito a sonhar,
Sonhar com quem, com a dor?
O tempo me deu espinhos
Em vez de dar uma flor.
Eu sou um produto exposto,
Que ninguém olha com gosto,
Quem gosto, não dá valor.
*
Meu corpo não tem calor,
Tem frio até no verão.
A minha vista está turva
Estou perdendo a visão.
Fui predador, virei presa,
Alvo fácil e sem defesa
E quase na escuridão.
*
A saudade e solidão,
São lembrança dos amores.
Que eu vivi no passado,
Na minha estação das flores.
Flores que deixei murchar,
Secar e despetalar,
Perdendo essências e cores.
*
Aguentando os dissabores...
Pancadas de todo jeito.
Daqueles que eu mais amei
A ausência e o desrespeito.
Baixa estima e apatia...
E o coração que batia,
Agora apanha em meu peito.
*
O largo ficou estreito,
O meu passo é compassado.
Respirar é um suspiro,
Falar é um resmungado.
O grave agora é o rouco,
O meu muito é só um pouco,
Em tudo estou moderado.
*
Sinto o meu corpo cansado
A mente um pouco confusa.
Tudo o que eu vou usar
É démodé, ninguém usa.
Não sei mais o que fazer,
Pois até meu bem querer,
Minha proposta recusa.
*
Não tem remédio que induza,
A minha inquietação.
Descansar já não resolve,
Meu cansaço ou exaustão.
Tenho total liberdade,
Mas o peso da idade,
Mantêm-me nessa prisão.
*
Já tive disposição
E nunca escolhi trabalho.
Hoje depois de cansado,
Só sirvo pra quebrar galho.
Mesmo assim quando me chamam,
Não pagam e ainda reclamam,
Dizendo: que eu atrapalho.
*
Nem para jogar baralho,
Eu acerto uma cartada.
Também já não me convidam
Para nada ou quase nada.
Tento mostrar que sou forte,
Mas ouço o riso da morte,
Meu sério virou piada.
*
Minha carcaça cansada,
Repousa, mas não descansa.
Meus hábitos são parecidos,
Aos mesmos quando criança.
Pena que falta energia,
Paciência e alegria,
Boa forma e confiança...
*
Ainda tenho a esperança,
Acesa dentro de mim.
Esperança nunca acaba
E brota feito um jardim.
Ela é minha companheira,
Minha amiga verdadeira,
Seja em tempo bom e ruim.
*
Se eu sou feliz assim?
Claro que sim, sou feliz.
Apesar dos empecilhos
E a saúde por um triz.
Sou feliz feito um menino,
Não reclamo do destino,
Sou dono do meu nariz.
*
Vou ser sempre um aprendiz,
Enquanto a vida pulsar,
Dentro do meu velho peito,
Que apanha sem reclamar.
Enquanto eu tiver memória,
Vou fazendo a minha Historia,
Não sei o que é recuar.
*
Eu não posso aposentar
Os meus hábitos saudáveis.
Apesar de que uns deles...
Já não são lá tão viáveis.
Eu vou me exercitando
Como posso, me alongando
Das formas mais confortáveis.
*
Não sou desses miseráveis,
Que se entregam ao fracasso.
E arregam feito covardes,
Em qualquer queda de braço.
Enquanto eu tiver sustento,
Mesmo cansado eu enfrento,
Até mesmo o meu cansaço.
*
O meu corpo em estilhaço,
Já dói do pé a cabeça.
Minha face mudou tanto,
Parece está à avessa.
Nem precisa de esforço,
Para sentir que o dorso,
Tenha câimbra e enrijeça
*
Antes que tudo enfraqueça,
Quero deixar registrado.
Minha passagem na terra,
Para depois ser lembrado.
Como um bravo lutador,
Que soube ser condutor,
Simples honesto e ousado
*
Tenho que viver sedado
Para sair desse tédio.
Porém o que ganho é pouco
Para comprar o remédio.
Por não ser remediado
Eu vivo mais irritado
Do que sindico de prédio.
*
Preciso de intermédio,
Mas continuo a sonhar.
Não vou desistir da vida
E enquanto eu respirar.
Serei sempre um lutador
E se não fui vencedor
Ao menos ousei lutar...
*
Agora vou encerrar
Meu desabafo saudoso.
E tentar dar mais um passo
Nesse caminho rochoso.
O pouco que aqui eu disse:
São os degraus da velhice
Desabafo de um idoso.
*
Fim
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