*
Meu pai foi um lavrador
Das terras deste Sertão.
Escravo branco da lida
E os mandados do patrão.
Enfrentou dificuldade
Mas me deu dignidade,
Caráter e educação...
*
Eu não ganhei um tostão
Do meu pai que enchesse a
pança.
Fui gerado por um pobre
Sou pobre desde criança.
Mas por ser um homem honrado
Esse exemplo eu tenho herdado
E não tem preço essa herança!
*
Nem dinheiro nem poupança
Nem latão nem prata ou
ouro...
Nem vaca boi ou cavalo,
Arreio e chapéu de couro
O que o meu pai deixou
Como herança é o que sou...
E não tem maior tesouro!
*
Foi agricultor calouro,
De mão grossa e calejada.
Do machado, da chibanca,
Da alavanca e da enxada...
E do tesouro desse escravo
Eu não herdei um centavo
Mas não o troco por nada!
*
Foi retirante na estrada,
Retirante sem destino.
Sem um teto pra dormir
Sem sombra e com o sol a
pino.
E o que me deu como herança
Foi esse homem criança,
Poeta, inquieto, traquino...
*
Morreu velho e foi menino
Até o último suspiro.
Foi e é o meu herói
Para sempre eu te admiro.
E a herança recebida
É que a escola de sua vida
Um dez, eu sei que não tiro.
*
No meu passado eu dou giro
Mais veloz do que um corcel.
E ouço meu pai dizendo:
Melhor ser mel do que fel.
Quero ser igual a Ele
E o que eu herdei dEle
Serviu pra fazer Cordel!
*
Meu pai não foi menestrel,
Mas era um poeta nato.
Pois não ficava calado
Diante de um “gaiato”
Como era um analfabeto
Seu passa tempo dileto
Era a roça e limpar mato!
*
Meu passado é o meu retrato
Arquivado na lembrança.
Da infância e juventude
E do tempo de criança.
Quando eu faço essa viagem
Levo e trago na bagagem
O que meu pai deu de herança!
*
Sempre cheio de esperança
Era assim que meu pai era.
Pobre, humilde e analfabeto,
Morava numa tapera.
Mas confesso que eu queria
Ser igual a Ele um dia
Quem dera meu Deus, quem
dera?
*
Eu morei numa tapera
Sem brinquedo pra brincar.
Pai não me deu um por que
Não tinha com o que comprar.
Mas me deu educação
E do mais novo ao ancião
Aprendi a respeitar!
*
Meu pai pode luxar
Nem podia ir à feira.
Pois o pouco que ganhava
Só dava pra “bodegueira”
Mesmo assim desarranjado,
Era um homem respeitado
De palavra muito ordeira!
*
Herdei lição verdadeira
De lutas e muito amor.
Porque muitas vezes vi
Ele enfrentar a dor.
Para nos dar alegrias
Foram tristes, longos dias...
Que sempre irei dá valor!
*
Do meu pai herdei a cor
E bom humor que Ele tinha.
A altura e a aparência
E o exemplo de andar na
“linha”
Mas mesmo assim me envolvi
Com quem não presta e perdi
Até o que não convinha!
*
Não herdei nem moedinha
De real ou de centavo.
Mas isso não me dá magoa,
Nem ódio, rancor ou travo...
Pois como antes falei
O pai pobre que eu ganhei
Foi livre, mas era escravo!
*
Sua imagem é um doce favo
Que adoça a minha mente.
O meu pai foi o meu ídolo
E mesmo hoje estando
“ausente”
Eu tenho toda certeza
Que Ele senta em minha mesa
E comigo está presente!
*
Meu pai não me deu patente,
Material de valor.
Mas o que Ele me deu
Foi muito mais promissor.
Pois se ainda estou vivo
Devo a Ele esse motivo
Por ser o meu instrutor!
*
O não mentir meu senhor!
Foi do meu pai que herdei.
Já tentei ser vendedor
Que mente, mas me ferrei.
Sou mais eu cabeleireiro
Que dá pra ser verdadeiro
Porque mentir eu não sei!
*
Do meu pai eu sempre honrei
Não mexer em coisa alheia.
Também herdei seu sorriso,
Comigo é sem cara feia.
Mas sem dever viro bicho
Eu não pago e por capricho
Tiro férias na cadeia!
*
Tenho o seu sangue na veia
E não canso de dizer:
Que mau pai foi meu herói...
Sou seu fã, sempre irei ser!
E essa herança pra mim
Não se acaba e não tem fim,
Pois nunca vou esquecer!
*
O que eu pude aprender
Com o meu no passado
Não se ensina na escola
Ou em um livro sagrado.
Porque seus ensinamentos
Eram puros sentimentos
De quem me fez tão amado!
*
Roça e trabalho pesado
Na sua roça ou do patrão.
Trabalho duro e mal pago,
Quase sempre, pé no chão.
Assim meu pai me criou...
Herança? Ele não deixou,
Mas me fez um cidadão!
*
O meu pai disse com razão
Procure ser educado.
Não coma o que é alheio
Seja medido ou pesado
Respeite o seu inimigo...
Lembre sempre do que digo
E eu ainda estou lembrado!
*
Meu pai foi pobre e honrado
E eu jamais vou esquecer
As coisas que Ele fez
Mesmo sem poder fazer
Só para me ver feliz...
Por isto o que faço ou fiz
Foi inspirado em seu ser!
*
Meu pai não tinha saber
Isso em nível de estudo.
Mas pra mim Ele era um sábio
Mesmo não sabendo tudo.
Os reflexos de sua mente
Herdei e faço repente
E nada me deixa mudo!
*
E nesta estrofe eu saúdo
Meu pai homem de valor.
Pois enquanto Ele viveu
Doou-se e me deu amor.
E essa herança pra mim
É eterna, não tem fim...
Vou levá-la aonde eu for!
*
Meu pai foi meu professor
Mesmo sem ter profissão.
Era só um agricultor
Cheio de calos na mão.
Mas para me vê criado,
Forte, crescido, educado...
Sofreu muito mais que o “cão”
*
O pedir e dar perdão
E tudo acaba em risada.
Raiva que não dura um dia
E acaba numa piada.
Foi do meu pai que herdei
E pro meu filho eu passarei
Pra melhorar sua estrada...
*
Nunca desperdiçar nada
Em qualquer ocasião.
Não deixo sobras no prato
Nem deixar cair no chão.
Pois meu pai dizia assim:
Coma tudo cabra ruim
Ou vai levar um surrão!
*
Pai foi simples cidadão,
Que olhava o mundo de frente.
Que dormia sem jantar
Pra dar de jantar pra gente.
São coisas simples que herdei
E quase todas usei
Com amigos filhos, parente...
*
Ao morrer eu tava ausente,
Nem chorei a sua morte.
Não foi por ser egoísta,
Muito menos por ser forte.
Foi por morar noutro Estado
E o aviso atrasado
Aliviou esse corte!
*
O meu pai disse não ter sorte
Vir ao mundo pra sofrer.
Não por causa dos seus
filhos,
Mas por não saber viver.
Pois nunca brincou bola
Nem jamais foi à escola
Pra aprender ler e escrever!
*
Tudo o que eu pude dizer
Do meu pai tem seu sentido.
E se não fosse essa herança
Decerto eu tinha morrido
De fome, sede ou até,
De descrença ou pouca fé
No percurso percorrido!
*
Damião Metamorfose.
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